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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Outra visão da atualidade das lutas sociais

Ricardo Líper

- resposta ao internauta Anônimo que comentou nosso artigo "Elogio à Democracia"



Você tem razão. Mas porque está imbuído (e acho isso muito bom, não critico não) de uma visão de que tudo pode dar certo se intervirmos.  Nós somos a consciência do mundo. Temos de admitir que tem povos e países que não vão nunca dar certo. Um povo, por mais ignorante que seja, apoiar quem apoia, beija os próprios grilhões, que não enxerga a pocilga em que vive e vota em quem vota selou o seu destino.
Boa sorte, lhe admiro, mas não sigo uma visão da história hegeliana. Sou mais para Foucault. Nietzsche. Descontinuidades. Sem grandes normas para todos, para tudo. Temos que reconhecer que será sempre  assim no Brasil. O povo pagando aluguel com outros nomes de seus imóveis, muitos gostando disso, uma servidão voluntária absoluta. Enquanto não aprenderem a votar será tudo assim. Não é miséria não. Eu não acredito mais nesses chavões.
É se sentir escravo. É ter alma de escravo. É se contentar, sem se revoltar, em morar no  lodo e, ainda, beijar a mão do ditador. Se fazem isso porque gostam, que rebolem a bunda nas festas populares. Um povo que é incapaz de não ir mais a elas. De boicotar. De dizer não. Pacificamente, simplesmente não ir. Me desculpe, eu te apoio sim e muito, mas sem nenhuma esperança. O povo merece de fato o governo que ele botou no poder em todas as instâncias. Eles fazem não é por ignorância é porque querem e são irresponsáveis. O que mais me admiro é que os senhores desse povo ainda não o explore mais.  Eu paguei quase quinhentos reais em um cartório para passar para o meu nome um imóvel que meus pais suaram para ter. Imóvel minúsculo. E agora vou pagar aluguel por ele. E o povo tá contente com tudo isso. Sou eu que vou ser militante para salvar quem? Nós, meu caro, não somos os salvadores da humanidade. Aquele que vê a exploração e quer mudar as coisas. São as pessoas que precisam perceber e talvez seja isso que lhe incomode. Por que vão com cara de bestas a tudo que os que exploram promovem? Não é tão simples não ir, apenas? Não é essa a maior manifestação possível? Mas quando chegaremos a isso? É seu direito ficar em casa com seus amigos conversando e brincando, mas não é isso que o povo faz, ele sai no carnaval, por exemplo, para apanhar, ser roubado, humilhado e fazer papel de besta. Vão para Copa, os que não vão entrar porque são fudidos desde que nasceram pelos poderosos,  ficarão comprimidos em bares gritando com cara de doentes mentais vendo pela televisão. Eu tenho pena mas tenho também o sacrossanto direito de não ligar.
Vamos deixar esse modelo antigo do século XIX de querer iluminar o mundo. Talvez ou nunca quando todos não apoiarem mais os ditadores, não votarem mais neles, sumirem de todos os eventos, aí sim eu estarei com eles. De outra forma não. Atualmente eu só acredito no silêncio. No não-comparecimento. E só votar naqueles que nunca se comportaram de maneira vil porque nunca se candidataram ou foram eleitos. Você já me viu em lugares públicos batendo palmas no pão e circo baiano? Mas tente e faça o que quiser. Não posso dizer que não lhe admiro, mas minha maneira de ver é diferente. As pessoas devem aprender a ter vergonha na cara. É... sem isso nada vai dar certo. E vergonha na cara não se ensina. E, não se iluda, não é falta de informação, não é falta de consciência. É uma maneira de ser. Não é alienação também. É o jeito de ser.
Sei que é difícil entender como pensa um escravo. Nietzsche tentou mostrar e o fez bem, mas os próprios escravos, gostando de ser escravos, sempre o combateram. Você já se perguntou se existe gente que gosta de praticar a servidão voluntária.? Se sente bem em bajular, em roubar com os poderosos, em participar do jogo? Goza até. Tem gente que gosta de ser canalha. Não sabe viver de outra maneira. Temos de aceitar os canalhas também. Temos de aceitar a todos. Afinal, não somos uma democracia? Quem não concorda simplesmente, não vai. Se todos não forem, o mundo muda. Será que a polícia vai obrigar a ir? Não vai e quem não vai usa um pedaço de pano preto na camisa. Discretamente, apenas para dizer que não foi. Quando essa manifestação for em massa eu começo a acreditar que o Brasil vai ser  uma grande nação. Quando o voto for para os quem nunca foram votados. Para os que nunca mais serão votados se fizerem os brasileiros de otários, sim, aí eu acredito que seremos uma grande nação. Porque foi assim que foram construídas a Dinamarca, a Suécia, a Holanda e os únicos outros países mais civilizados do mundo onde as cadeias estão fechando porque não têm clientes. E não tem clientes porque todos podem ter acesso à educação, a uma profissão e um trabalho decente para se sustentar.
Ora, não vou mais falar o que se sabe. O resto é silêncio. 

Um comentário:

  1. Ilustríssimo professor, o problema é quando o cidadão não se sente igual aos outros, igual à corja. Se silenciar, quedar-se inerte trairá a si mesmo, algo terrível para quem tem honra.

    Gostei de sua frase: o povo brasileiro não sabe o que é vergonha, honra. O povo japonês sabe. É a mais pura verdade. Acredito que Joaquim Câmara Ferreira, Marighella, Mário Alves, passaram por esta situação existencial e moral pois não somos os únicos a descobrir que vivemos em um país de vagabundos, puxa-sacos.

    Enfim, cada um sabe o que faz de sua vida, os puxa-sacos sabem, e eu também.Lutar até o fim, por todos os meios, sem rendição, outros fizeram assim no passado e farão no futuro. O problema está em não saber transmutar-se em puxa-saco, nem querer tentar.

    Quem é militante luta até o fim, recomeça quantas vezes for necessário, aprende o tempo inteiro, vai sempre para disputa política até o fim. O maior bem de uma pessoa é a vida, depois a liberdade. Quantos já as perderam ou as arriscaram na luta política? Mas mantiveram intacta a honra e o caráter. Cada um com a canalhice que Deus lhe deu, até que a morte chegue e ponha um ponto final.

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