Carlos Baqueiro
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Salvador é a cidade com maior número de negros do País. Com 743,7 mil pessoas, a capital baiana está na frente de São Paulo (736 mil) e Rio de Janeiro (724 mil). A constatação faz parte do Mapa da População Preta & Parda no Brasil, segundo os Indicadores do Censo de 2010.
Provavelmente, graças a toda essa representatividade, em meados de novembro vários chefes de Estado participaram da montagem da Declaração de Salvador. No documento, os líderes reafirmaram o compromisso com a eliminação completa e incondicional do racismo e de todas as formas de discriminação e intolerância, o que a presidente Dilma, também participando do encontro, reiterou em discurso.
Nessa cidade de negros, até gente importante na mídia tem seu dia de constrangimento. O cantor do Grupo Psirico, Márcio Victor, disse ter sido atacado verbalmente, durante um dos dias de carnaval, por um homem branco no camarote em que estava: "Fui chamado de negro, favelado e pobre".
Mas não só de ataques verbais vive o carnaval. Se tem algo que pode ser visto com certa frequência é a polícia prendendo e batendo em negros. A foto que inicia este texto é um dos exemplos disso.
De tempos em tempos podemos ler nos jornais notícias parecidas. Aqui em Salvador, no Rio de Janeiro, ou em São Paulo. O racismo no Brasil não é algo novo. Já foi até mesmo incentivado (explicado "cientificamente" !!!) por intelectuais e especialistas da área médica.
Em 1905, por exemplo, o médico "baiano" (nascido no Maranhão) Nina Rodrigues teorizava sobre os negros em um trabalho chamado “Africanos no Brasil”:
“A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros de seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo”.
Cem anos se passaram e ainda hoje se discute, por exemplo, a viabilidade ou não de cotas para negros e seus descendentes na entrada para as universidades públicas. Sabe-se que no Brasil, desde a extinção da escravidão, os negros não têm sido contemplados com políticas públicas de caráter compensatório.
Na realidade, as estatísticas nos mostram o contrário.
Uma análise dos indicadores sociais que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou em 1999, permite aferir que a população branca ocupada tinha um rendimento médio de 5 salários mínimos, enquanto os negros e pardos alcançavam valores em torno de 2 salários mínimos.
Não é difícil perceber também o quanto a mídia vai reforçando este processo de distinção, quase eliminando a presença de gente de cor preta para trabalhos em novelas e na publicidade, por exemplo. E as evidências de um racismo enrustido na sociedade podem ser verificadas nas palavras de gente de todas as etnias.
Jonas, negro, petroleiro, 43 anos, concorda que o racismo está incrustado na cultura baiana: “Desde pequeno senti na pele diversas vezes uma certa diferenciação que os próprios professores criavam entre os brancos e negros na sala de aula”.
Na escola, na empresa ou fazendo compras, os negros têm muito que lutar para diminuir os preconceitos contra eles.
A comerciária Vera, branca, 40 e poucos anos, diz não ser racista, mas não nega que teria receio se aparecessem dois negros entrando na loja em que trabalha, em um shopping center, mesmo bem vestidos. “Os ladrões que aparecem na TV sempre são negros”, defende-se a vendedora, com um leve sorriso, meio sem graça, em referência a um dos personagens do belíssimo filme Crash.