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terça-feira, 4 de outubro de 2011

A Atualidade do Anarquismo

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Mario Rui Pinto (de Portugal, com exclusividade)

Nunca o anarquismo foi tão actual. Esta frase pode parecer inconsequente, escrita por quem acredita num conjunto de ideias minoritário, ou mesmo inexistente em muitas partes do globo terrestre. A sua força actual para influenciar movimentos sociais ou correntes de opinião é praticamente nula, mesmo em Estados onde, no passado, chegou a ter alguma capacidade de mobilização popular. E no entanto…

O capitalismo evoluiu de forma muito diferente dos escritos de Marx e a transformação do mundo tem sido muito mais complexa do que ele previa. Muito provavelmente, o capitalismo não há-de acabar devido aos efeitos de uma grande crise final motivada por contradições internas. Bem pelo contrário, o capitalismo tem aproveitado todas as suas pretensas crises para intensificar o seu grau de exploração sobre os indivíduos. E isto porque, ao contrário do que a classe dominante proclama hoje em dia, não há crises no capitalismo É o capitalismo que é a própria crise.

Não por acaso, também o “papel da classe operária” na transformação de toda a organização social acabou por ser muito diferente do que Marx previu, no fundo limitando-se a ajudar na construção de uma sociedade ainda mais opressiva e integrando-se plenamente no Estado e no sistema tecno-industrial.

A sociedade actual inflige inúmeros estragos ao ser humano, materializados em desigualdade, opressão, pobreza, injustiça, angústia, tensão nervosa, etc. e estragos ao meio natural, como, por exemplo, abate de florestas substituídas por construção, desaparecimento de espécies vegetais e animais, poluição do ar e da água. O progresso tecnológico provocou profundas alterações na sociedade e na biosfera. Esta modificação tem por consequência a desestabilização da vida no planeta que é cada vez mais nefasta. O que nos revela, pois, o presente?

Revela-nos, em primeiro lugar, que a sociedade actual não é justa, nem é pacífica a sua relação com a natureza. O Estado e o sistema tecno-industrial, essência e armadura da classe dominante da nossa época, gera a domesticação pelo capital dos seres humanos e a destruição da natureza, como resultado do espírito de lucro de alguns à custa do trabalho forçado de muitos; mantém e fomenta a opressão do dominado como consequência do uso do direito do dominante; torna o ser humano cada vez mais abstracto, deixa de ser um ser da natureza para se tornar um ser da tecno-indústria, logo do capital; conserva sem questionar uma fé cega no progressismo científico e técnico.

Revela-nos, em segundo lugar, que este sistema produz muitos estragos muito rapidamente. Engendra guerra com armas cada vez mais destrutivas; energia nuclear e o decorrente lixo atómico; poluição de diferentes tipos; aquecimento climático acelerado; desenvolvimento das cidades e urbanização do campo; envenenamento dos recursos naturais; aniquilamento da biodiversidade; substituição possível ou provável dos seres humanos por máquinas inteligentes; manipulações genéticas dos seres vivos; dominação das grandes organizações e impotência dos indivíduos; propaganda e as diversas técnicas de manipulação psicológica; problemas psíquicos da vida moderna, etc. Tudo isto tem por consequência um maior controlo e vigilância de todos os indivíduos, uma submissão ainda maior aos imperativos técnicos.

Finalmente, revela-nos, em terceiro lugar, que este sistema engendra um cada vez maior empobrecimento de cada vez mais indivíduos, em contraste directo com o enriquecimento desmesurado de apenas alguns; a perda de saberes elementares para uma vida autónoma; a destruição ou a apropriação capitalista dos elementos que a natureza oferecia ao ser humano gratuitamente.

Mas para quem é anarquista nada disto é novo. Há mais de cem anos que os anarquistas apontam e denunciam os perigos e males desta sociedade e para onde ela nos conduz. O consumismo, a ganância, o lucro, a irracionalidade produtiva estão a conduzir esta sociedade ao esgotamento de recursos naturais não reprodutivos, situação que poderá pôr em causa o futuro das próximas gerações. Para se reproduzir, o capitalismo precisa de desenvolvimento contínuo, acelerando este processo até à exaustão. Ora isto é incompatível com uma vida sustentável a longo prazo.

As soluções tradicionais de expressão política nas sociedades ditas democráticas – o voto, os partidos, os sindicatos – estão cada vez mais desacreditadas face não só à sua incapacidade para encontrar soluções, como mesmo à sua conivência com formas de exploração capitalista, corrupção e nepotismo. Neste momento, o Estado e o sistema político que o sustenta, são os principais garantes do capitalismo, sendo muito ténue a fronteira que os separa. Não foi por acaso que, no início da mais recente “crise”, todos os governos vieram em auxílio do sector financeiro – precisamente o sector apontado como seu principal responsável – negligenciando por completo falências de empresas que conduziram milhares de trabalhadores ao desemprego.

O que se passa hoje em dia em alguns estados europeus é que este cenário já foi compreendido, com um maior ou menor grau de consciencialização, por alguns estratos da população, sobretudo aqueles de onde a luta tem de partir: desempregados; marginais por escolha própria; minorias perseguidas pela moral dominante; jovens que tendem a recusar, mesmo que temporariamente, o tipo de vida que os espera; movimentos e associações de indivíduos que, de uma forma não-hierárquica, lutam contra os projectos tecno-industriais; indivíduos e grupos que praticam uma vida simples, denunciando o consumismo e o produtivismo e rejeitando a vida complexa e doentia das áreas altamente urbanizadas; trabalhadores contrariados, que já compreenderam que a sua emancipação não está no aumento de trabalho ou na reivindicação de um pleno emprego estúpido, destrutivo e envelhecedor, mas na superação de uma sociedade que lhes impõe a escravidão assalariada produtora de objectos muitos deles inúteis; movimentos de mulheres que já perceberam que o verdadeiro feminismo não é ter direito a voto, nem ter o direito de ser tão ou mais explorada que o homem no mercado de trabalho.

Ficam de fora os grupos, inclusive de trabalhadores, que estejam muito integrados no mundo tecno-industrial e enquadrados por organizações sindicais e/ou partidos políticos. Estes grupos, aparentemente de «oposição» ao sistema ou mesmo «revolucionários», continuam a entender os problemas em função da situação económica e social do início do século XX, sem compreenderem os novos problemas. Até ao dia em que tiverem uma nova tomada de consciência, estes grupos estão de tal maneira enquadrados no sistema, são de tal maneira manipulados pelas elites político-sindicais, que ainda não conseguiram perceber que as suas reivindicações e lutas parciais fazem parte do próprio sistema e é utilizado por este na sua estratégia de exploração. Em Portugal, por exemplo, perante a promulgação pelo actual governo “socialista”(*) de um novo pacote de medidas ditadas “pelos mercados” e que só irá aumentar o empobrecimento generalizado e a taxa de lucro do capital, respondeu a central sindical mais importante – Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical, mera correia de transmissão do Partido Comunista – com uma greve geral de 1 dia para que, nas palavras do seu secretário-geral, “seja dada alguma coisa aos trabalhadores e eles não venham para a rua, porque a rua não negoceia”.

As lutas que já se desenvolvem, por motivos vários, nas ruas da Grécia, de Itália, de Inglaterra, de Espanha ou de França são sinónimo de que, apesar destes grupos ainda serem fortemente minoritários, começaram a pôr em prática formas de luta sem compromissos, de acção directa, não-hierárquicas, ou seja, formas de luta libertárias, e que, como tal, escapam ao controlo de partidos, de sindicatos, da ordem estabelecida, e já arrastam com eles sectores menos activistas da população.

Apelidando estas lutas e os seus protagonistas de “terroristas”, metendo-as no mesmo saco do radicalismo islâmico ou meramente político, o Estado intensificou, como nunca antes o fizera, todo um processo securitário de controlo dos cidadãos. A desculpa do terrorismo tem servido ao Estado para criminalizar lutas e movimentos radicais, ou simplesmente de mera contestação a opções político-económicas lesivas dos interesses das populações, como o comboio de alta velocidade, por exemplo. Para isto, tem contado com a ajuda da presença omnipresente de alguns meios de comunicação, como a televisão, e de alguns jornalistas que são meros transmissores de fontes policiais ou dos interesses do capital. No entanto, como sabemos, nunca houve pior terrorismo que o terrorismo de Estado. Desde que existe, que o Estado tem ao seu serviço todo um aparelho político-repressor constituído por polícias, exércitos, tribunais, prisões, campos de concentração, hospitais psiquiátricos, etc.

Com este cenário de fundo, verifica-se que, de todas as “ideologias” alternativas, apenas o Anarquismo continua a opor-se ao Estado e ao capitalismo, tornando-se no único conjunto de ideias que não parou no tempo e que manteve as suas respostas coerentemente alternativas e actuais.

Umas linhas finais para sublinhar que utilizei sempre a palavra Anarquismo para facilitar a escrita, porque a palavra correcta seria Anarquismos. Na minha opinião, não há apenas um anarquismo, mas uma pluralidade de expressões deste anarquismo do qual ninguém é proprietário. Passa também pela nossa capacidade de aceitar estas diferenças e por esta pluralidade de expressões, o conseguirmos ser uma alternativa consistente e actuante à triste realidade que nos rodeia e esmaga. Não pode haver um anarquismo, mas vários anarquismos. Estes devem ser a expressão e a vontade genuína da sensibilidade e da liberdade de cada indivíduo e de cada grupo.

(*) Quando o texto foi escrito Portugal ainda era governado pela esquerda. Se é que faz alguma diferença.

4 comentários:

  1. parabenizo "os inimigos do rei" por mais esta "aquisição" de peso...

    vida longa!

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  2. [tio.taz] extremamente sagaz! Pontualíssimo este texto - parabéns ao site e ao autor, estou divulgando na medida do possível!

    abxxx
    www.coletivokrisis.blogspot.com

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  3. Bom texto, parabéns...refletindo e atuando...é isso aí!
    abs
    carlos pronzato
    www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com

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  4. Belo texto..continuemos refletindo e atuando...

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