Ela conheceu o marido na reunião de professores quando ambos ainda jovens faziam parte da mesma escola. Amor intenso, depois morno, casamento e filhos. Ambos professores. Casinha modesta, salário de ambos à beira da miséria, mas somados levavam uma vidinha limitada, sofrida, mas levavam. Aí fizeram campanha para um político. Os dois se emprenharam. Brigavam com colegas que eram contra. O político ganhou. A primeira providência foi nomear um sujeito que os demitiu. Os dois. Tiveram de entregar o apartamento sub-solo alugado e irem com os filhos para a casa da mãe dele se apertarem em um quarto não muito grande. Quando eu soube, por outra professora amiga nossa, que me contou baixando a voz, não sei porque, tive pena, raiva.
Passaram meses. Ele arranjou uma escola particular. Ela passou a fazer pãozinho delícia para vender nas escolas que conhecia. Fiquei muito tempo sem encontrá-los. Então, sem esperar a encontrei dobrando uma esquina de uma rua no centro da cidade, ambos com medo de assalto. Ela mantinha a dignidade tanto no trajar simples como na altivez. Nos abraçamos e foi ela quem me falou:- Você já soube o que aconteceu não foi?
Não tive saída. Disse um simples e baixo: soube.
- Foi uma lição. A vida é assim mesmo. - Disse ela sem raiva ou nenhum sentimento.
- Vocês vão superar essa decepção.
Ela deu um dos sorrisos mais francos que poderia me dar.
- Mas é claro. Já estamos superando. Amanhã vamos nos mudar para nossa casa. Modesta, claro, mas já conseguimos. Jolival já está ensinando em duas escolas particulares e o proprietário acreditou nele, quer dizer, soube do que ocorreu e se sensibilizou. O meu filho mais velho começou a trabalhar também. E eu estou colocando currículos e vou ser chamada para dar aulas de inglês em um cursinho.
- Ótimo.
Ela me disse isso animada. Risonha. Depois ficou mais séria. Sorriu. E disse.
- Agora já estamos nos preparando para a nova campanha política.
Eu aí fiquei um pouco preocupado.
- Eu não fiz campanha para ser demitida?
- Fez.
- Agora vou fazer uma maior para os inimigos de quem me demitiu. Jolival está tão entusiasmado. Já sabe o candidato que vai concorrer contra. Você vai me ajudar votando nele não é? Podia o candidato ser até o diabo, não importa, mas a campanha eu vou fazer.
- Claro. Ela me abraçou e sorriu.
Já íamos nos despedir quando ela voltou um pouco e séria me disse:
- É uma questão de honra não é?
- Claro. É sim uma questão de honra. É assim que se constrói uma civilização. Sou solidário a vocês dois. Pode contar comigo. Aliás, agora entendo. Duas colegas suas me disseram que iriam também lhe ajudar. Eu entendi que era economicamente. Agora percebi, é nessa campanha porque elas falaram de umas camisas não é?
- É, economizamos um pouco e vamos fazê-las. Saiu saltitante e animada como sempre foi. A energia de uma decepção nos faz ter uma força gostosa que nos impulsiona para frente. É como um respeito próprio que nos traz grande felicidade.
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