JORNAL COMENTADO 172
6:58 – 17.12.2013 – Terça-feira
TONy pacheCO*
Baiano morto por um rival filipino na disputa das atenções de um padre espanhol. Walcyr Carrasco jamais conseguiria imaginar isso pra colocar na novela!
1. A vida imita e supera “Amor à Vida” - BOMBOM
Os “evanjegues” (aquela parte dos evangélicos – não todos –
que insiste em não raciocinar) promovem uma luta surda na Internet contra
Walcyr Carrasco, autor da novela “Amor à Vida”, da Rede Globo. Dizem os
fundamentalistas religiosos em seus argumentos “que aquilo é tudo mentira de
uma mente doentia, pois o ser humano, obra de Deus, não é assim”. Bem, nós que
somos seres racionais olhamos à nossa volta e notamos que vários daqueles
personagens pululam em nossas vidas a todo momento. Isso sem contar a hora em
que estamos escovando os dentes e nos deparamos com um daqueles personagens
maléficos, bonzinhos ou otários bem na nossa frente, no espelho dos nossos
banheiros, para nosso desespero... Mas, não bastasse isso, a vida que a mídia
mostra surpreende por ser INFINITAMENTE MAIS LOUCA do que a novela, como agora
no caso do assassinato do baiano Odycleidson na Espanha pelo filipino Eulogio,
por ciúme do padre Jaume. Se você não acompanhou, vou dizer em pouquíssimas
letras: padre Jaume tem ido aos países pobres para recrutar homens jovens e lindos
para morar na Espanha COM ELE. Eulogio largou o inferno-na-terra chamado
Filipinas e foi morar na deliciosa Espanha, mas, agora, já tá com 44 anos,
casou, teve filho etc. e tal e começou a ficar chato e descartável. Aí, padre
Jaume, segundo palavras do próprio Eulogio, veio ao Carnaval da Bahia e
recrutou o absolutamente lindo Odycleidson, que, claro, ia pro mesmo caminho:
depois de uma vida com o padre, já estaria com casamento marcado, como convém
na vida real, na qual a maior parte dos homens que fazem sexo com homens acaba casando com mulheres para “não dar na pinta”. Só que Eulogio, segundo suas
próprias palavras, ficou com medo de ser descartado de vez pelo padre por causa
do belíssimo baiano e, aí, matou Odycleidson. Agora me digam: este triângulo
amoroso é ou não é MAIS CABELUDO QUE A NOVELA DA GLOBO? Agora, maldade mesmo foi um ser humano tão bonito ter sido batizado com este nome. Posso apostar 10 reais como o destino dele teria sido outro se os conterrâneos tivessem feito uma vaquinha para ele ir à Justiça e ter mudado o nome para Adriano, Tiago, Alexandre, João, Miguel, Gabriel, Carlos, Guilherme, Júlio César, porque Odycleidson condenou-o a duas mortes: uma ao ser batizado e outra, agora, nas mãos de um filipino ciumento...
Portanto, não perca “Amor à Vida”, no meu humilde entender,
a mais inteligente novela já levada ao ar pela Globo desde a sua fundação. E
olhe que eu disse isso aqui mesmo neste humilde blog logo na primeira semana da
apresentação do folhetim. Como dizia um coronel que já foi meu chefe: “Um homem
a gente conhece pelo arriar das malas”. Quando Walcyr Carrasco arriou as malas,
eu senti que ele não veio a este planeta a passeio.
2. “Jogos Vorazes: Em Chamas” - BOMBA
Quem assistiu o primeiro filme “Jogos
Vorazes” ficou realmente impressionado com a metáfora da vida real do mundo
moderno: governo manipulador que distrai a população de sua miséria através de
um “reality show” violentíssimo. Nada a ver com o Brasil, que nos mata nas filas dos hospitais públicos e privados e oferece o futebol onde os torcedores se matam de pancadas para nos distrair a atenção de nossa vida miserável. Nada a ver.
O primeiro filme distraiu a gente, pois teve um “timing”
perfeito (introdução das personagens, criação da expectativa e ação
avassaladora até o fim) e um argumento que entreteve e acrescentou conhecimento
às nossas vidas medíocres. Mas, agora, veio a continuação. Durante mais de uma
hora, fica um nem-pode-nem-sai-de-cima entre a mocinha e seus dois
pretendentes. Depois vem uma tentativa de ação que SIMPLESMENTE REPETE tudo que
já foi feito no primeiro. Olhe, só não é pior que o final, porque o filme
simplesmente NÃO TERMINA. Chama você descaradamente para aguardar o número 3. “Cuêio
é qui vai”, como dizem os filósofos populares com os quais convivo na Feira de
São Joaquim comendo rabada. “Jogos Vorazes”? Nunca mais.
Parece apenas mais um filme-comédia brasileiro, mas não é. A história mostra um casal como
muitos: ela, inteligente, bonita, gostosa, centrada no que quer ser e ter na
vida; ele, um aloprado destituído de tamanho ideal (se é que vocês me
entendem...), que só vive dando risada, sozinho ou com seu amigo predileto
(hum!), mas um figuraço. Do outro lado, fazendo contraponto, outro casal: ela,
totalmente zen, embora muito culta, bonita e gostosa, foi coleguinha do rapaz
aloprado na infância, quando ela era a mais desejada do colégio e ele era
apenas um “nerd bullynizado” por todos os colegas, que o chamavam de “tetinha”,
pois tinha peitinhos iguais aos das meninas, o que seria um grande atributo se
ele os tivesse usado da maneira certa; e o “ele” deste segundo casal, é um
rapaz com a barba da moda, empresário bem sucedido do setor de fitness e dotado
de um tamanho descomunal (de novo, não vou entrar – oops! – em detalhes...),
arrogante e que já “pegou” a mulher do aloprado antes que ela tenha resolvido
se casar com o louquinho vivido pelo ator Fábio Porchat. Pois é: uma historinha
chata e previsível? Não. Vá conferir. É uma lição de vida. Casais só podem dar
certo se um se torna o ponto de equilíbrio e o ponto de explosão do outro. Se
ambos têm a mesma personalidade, não vão pra lugar nenhum. Se são equilibrados
demais, morrem de tédio. Se são arrojados demais, terminam o casamento em
questão de horas, dias ou, no máximo, meses, se um não matar o outro antes... Vejam, levem seus companheiros, suas
companheiras e, se tiverem filhos ou sobrinhos, levem também, para entenderem A
VIDA COMO ELA É.
Ah, por fim, a maior (sic) lição: casamento
não tem nada a ver com tamanho de bunda, peito ou pênis. Casamento baseado
nisso fracassa desde o primeiro instante e o último instante vem rápido...
4. "Um Estranho no Lago" - BOMBOM
Este filme está em cartaz no intimista cinema da UFBA, que fica ali na Faculdade de Educação, no Vale do Canela (Saladearte Cinema da Ufba, fone 3237-9682). O tema não é pra todo mundo: serial killer misturado com amor entre homens, tudo recheado com cenas de amor carnal iguais aquelas que você vê as mulheres fazerem com os homens nos filmes de Hollywood e não se choca... Mas a trama vai mais além, pois discute uma questão crucial da Psiquiatria freudiana: seriam mesmo os psicopatas completamente destituídos de sentimentos ou eles podem ter um objeto de amor verdadeiro ao qual se dediquem? Se você não é homofóbico e gosta de temas psicológicos no cinema, não perca.
É um best-seller do autor Geoffrey Blainey,
um professor de Harvard, o que, por si só, já desaconselharia o livro, pois
acadêmico sofre de “chatice” endêmica. Mas eu comprei este livro pelo título
original: “A very short history of the world”, isto é, uma história muito curta
do mundo. Quando uma sumidade da Academia (e olhe que estamos falando de
Harvard...) assume que está fazendo uma “historiazinha” do mundo e não o livro
definitivo sobre a História do Mundo, eu fico curioso. Esta humildade
programada sempre me fascina.
E não deu outra. São 335 páginas que você
lê como se nunca tivesse estudado História Geral nem no colégio nem na
universidade. Tudo é novo. Parece que você está vendo um filme de ação, muita
ação, no qual você é um dos personagens, pois as histórias todas vão levar a
você, ao que você (e outros 7,2 bilhões) é hoje em dia. Após ler “Uma Breve
História do Mundo” você entende o que levou a Humanidade a chegar até o caos
atual. Mas sem pessimismo, com muito bom humor.
Como um livro “me compra” pelos pequenos
detalhes, deixe eu revelar alguns que me marcaram neste: a) vacas e cabras nos
deram leite na pré-história e nos trouxeram a tuberculose que matou milhões de
nós e mata até hoje; já patos e porcos foram os animais que trouxeram a gripe
para os seres humanos ao serem domesticados por nós – e este flagelo nos pega
até hoje, atchim!; b) você, biriteiro, sabia que a cerveja surgiu na
Mesopotâmia por volta de 3 mil e 700 anos antes de Cristo? Pois é, pra aguentar
um governo baseado em leis divinas e extremamente autoritário, os mesopotâmios
logo encheram a cara; c) os mesopotâmios também, mais ou menos na mesma época,
inventaram a roda (sim, esta que é, talvez, a mais importante ferramenta
já inventada pelo ser humano), a escrita e o sistema numérico. É por isso que
essa galera suméria, acádia, assíria e babilônica é tida como “extraterrestre”
por muitos escritores; d) eu pensava que a Guerra Civil Americana tinha sido o
principal desastre humanitário entre os "anos pacíficos" de 1815 e 1914, com seus 600 mil mortos e,
com Blainey fiquei sabendo da “Rebelião de Taiping”, na China, entre 1850 e
1864, quando Hung Hsui-chuan misturou Confúcio com Cristo e liderou uma revolta
que ao final matou 20 milhões de chineses e, aí, o nosso velho tema: “onde a
vida abunda, a vida não vale nada”, pois esta guerra civil, embora uma
carnificina chocante, nem consta de nossos livros escolares. E por aí vai...
Absolutamente imperdível!
Este é o livro ampliado, a novíssima
edição, que é a que eu recomendo. O autor, Leandro Narloch, em que pese ser um
equivocado em matéria de teoria econômica, é um escritor sem igual e um jornalista
honesto que não tem medo das verdades que vai encontrar em suas pesquisas. Por
exemplo, quem hoje em dia no Brasil teria coragem de fazer estardalhaço com o
fato de Zumbi dos Palmares, o ídolo maior de todos os negros (oops!, de todos
os afrodescendentes), ter sido um PROPRIETÁRIO DE ESCRAVOS NEGROS? Pois é, há
provas documentais de que foi assim. Portanto, um ser humano do seu tempo e não
um deus imaculado. Ou, então, quem, senão Narloch, teria coragem de dizer que
os embaixadores de reinos africanos vieram à Bahia, entre o final do séc. XVIII
e o início do XIX, para negociar com as autoridades coloniais portuguesas a
venda de africanos inimigos como escravos para a economia brasileira? E mais,
como qualquer negociante, os diplomatas negros vinham vender outros negros como
se fosse carro ou guarda-chuva, dando condições especiais se os escravagistas
brancos lhes dessem a exclusividade do fornecimento. E assim caminha a
Humanidade... Você não pode deixar de ler este livro, até para entender, como
eu entendi, QUE EU NÃO SEI AINDA UM MILIONÉSIMO DAS COISAS QUE EU PRECISO
SABER. Isto é, ainda não sei nada.
7. “O Segundo Juízo de Salomão”, de Pitigrilli. –
BOMBOM
Fui apresentado a este escritor pelos meus
queridos amigos Alex Ferraz e Ricardo Líper e agora estou tão apaixonado pelas
obras que li este livro e já estou lendo outro dele. Pitigrilli é como Narloch e
Blainey, gosta de cavar informações a que poucos têm acesso para nos
surpreender com suas reflexões inteligentes e fazendo isso, tal como os outros
dois, nos empresta um pouco de sua sabedoria, nos tornando melhores. E, claro,
MAIS CÍNICOS... Por exemplo, quem resiste à informação de que Quéops prostituiu
a própria filha para poder construir a pirâmide que até hoje nos deslumbra no
Egito? Ou como resistir à reflexão supermoderna (embora escrita há mais de 60
anos) de que “possuir um objeto é tornar-se escravo dele, velar pela sua
integridade, consertá-lo, não o perder”? O Papa Francisco, em sua luta contra o
consumismo materialista diria o mesmo neste ano de 2013, né verdade? Mas, com
seu cinismo habitual, Pitigrilli logo põe fogo em sua própria reflexão e nos
diz que não há saída nesta vida, pois não podemos confiar nem nos homens nem nas
coisas: “Os homens são desleais; as coisas nos abandonam, quebram-se, acabam”. Ou
a definitiva diferença entre paixão e amor: “A aventura é a fosforescência
imprevista dum meteoro; o amor é a pontualidade estúpida, ferroviária, da Lua.”
Vai perder?
“And now, last but not least”, a “crème de la crème”, a
cereja do bolo: Friedrich Wilhelm Nietzsche. Mas não o Frederico Guilherme Nietzsche
que a Academia acostumou-se a nos impingir: difícil, ininteligível, só para
iniciados. O autor do livro “Nietzsche Para Estressados”, Allan Percy, pega 99
reflexões do filósofo alemão e as aplica à vida moderna de todos nós, para
desespero da Academia, que gostaria que em nossa cabeça Nietzsche fosse
confundido com os imperscrutáveis Hegel e Heidegger. Mas não é e Percy faz um
trabalho apaixonante e rápido de como Nietzsche refletia sobre a vida mundana. Veja: “O homem que imagina ser completamente bom é um idiota” ou “O sucesso é
um grande mentiroso” ou, ainda, “Quem tem uma razão de viver suporta qualquer
coisa”, um aforisma que por si só define toda a vida de um Nelson Mandela, por
exemplo, que ficou décadas na prisão, mas liderou todo um povo para a sua
libertação do racismo. O livro é assim: simples, objetivo, imediato, e nos
mostra que a Filosofia pode ser algo palpável, palatável e útil no dia a dia, ao
contrário do que querem os pseudo-especialistas... Absolutamente imperdível e
este livro você não pode acabar de ler e doá-lo a um amigo ou a uma biblioteca
pública, pois é obra de cabeceira, para ser sempre consultada. Quer ser gentil
ou solidário? Compre um exemplar para o amigo ou para a biblioteca do colégio
do bairro popular, mas deixe o seu exemplar à mão na sua casa...
* tonY Pacheco é jornalista-radialista formado na UFBA, estudou Psicanálise na Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (SPOB, pra lá de conservadora e ortodoxa...) e ainda estudou Economia nas universidades federais de Juiz de Fora e da Bahia, o que o fez perder muito tempo nas salas de aula em vez de estar vendo o pôr-do-sol, algo bem mais útil e prazeroso...
Vc tá ne pegada dos que vc admira. acrdite. escreve bem demais.
ResponderExcluirPoxa, inimigos. Pegou pesado!
ResponderExcluirPodiam ao menos respeitar um pouco mais os sentimentos da família do Odycleidson.
Comentário desnecessário...
Rener (RJ)