Vítima do braço autoritário do governo, jornalista sai com
dignidade da empresa
Quem ainda tinha dúvida do surto autoritário que acontece na
Bahia teve na tarde desta segunda-feira, 18 de junho, um episódio típico do
“grande irmão” tão bem personificado no romance “1984” de George Orwell.
Os detratores das recentes greves no Estado (greves na
saúde, na polícia, na educação) procuram de todas as formas desqualificar os
movimentos e satanizar seus líderes, a fim de blindar o governo, mais
especificamente o governador. Sim, tem a maioria que faz isso para garantir
seus cargos, seus postos de trabalho, ainda que pretextando a aludida
governabilidade ou o tal “ruim com ele, pior com outro”. E tem aqueles que
ainda duvidavam, honestamente, do surto autoritário. Mas a triste realidade é esta:
estamos vivendo um momento de autoritarismo que nada deve a governos que
envergonhavam a decência democrática.
No episódio de hoje, um jornalista, jovem e brilhante, recém
saindo da universidade, escreveum texto sobre a festa publicitária que o governo
estadual da Bahia vem fazendo. A reportagem não tem opinião, tem, sim, números
e informações, muitas. Uma hora depois de publicada chega a ordem na redação do
Bocão News para que fosse tirada do ar. A velha tática: ou me obedece ou fica
sem publicidade. E o empresário da comunicação nem pestaneja, não ficar sem seu
melhor cliente.
No episódio de hoje, no site Bocão News, ao jornalista
restava fechar os olhos para o acontecimento ou tomar um posição em defesa de
sua dignidade e postura profissional. Dignamente ele optou por sair da empresa
que não oferece nenhum suporte para enfrentar o “grande irmão”.
Leia abaixo a justificativa de Guilherme e mais abaixo a
reportagem que irritou o governo.
GUILHERME VASCONCELOS
Hoje, pedi demissão do site Bocão News, onde trabalhei nos
últimos três meses. Escrevi, com base em dados oficiais, uma matéria que
mostrava o crescimento exponencial dos gastos com publicidade do governo
Wagner. Para minha surpresa, cerca de uma hora após a matéria ter sido postada,
ordens da chefia chegaram até a redação para que a reportagem fosse retirada do
ar. De maneira truculenta e desrespeitosa, fui comunicado da decisão por
terceiros através de mensagens de texto via celular. Também me foi dito que,
por interesses econômicos e por pressão do “democrático” governo petista, a
ordem era irrevogável. Diante disso, não poderia agir de outra forma. Não se
trata de querer bancar o herói, mas a demissão era a única saída honrosa. A
coerência, a dignidade e a liberdade são valores inegociáveis para mim. Na
Bahia, estado que lidera a vanguarda do atraso, só verdades convenientes podem
ser reveladas. Nosso jornalismo, salvo algumas honrosas exceções, é submisso e
se aproxima do amadorismo. A verdade é que aqui, terra dos superlativos– 69
dias de greve dos professores, 12 anos de metrô, pior prefeito de capitas – ,
praticamente não há jornalismo investigativo. Dizem que estamos na era da
transparência. Na Bahia, a censura ainda é regra.
Agradeço a Daniel Pinto, Marivaldo Filho e Luiz Fernando
Lima, que muito me ensinaram durante esses três meses e, certamente,
continuarão me ensinando.
Para os que leram e gostaram, para os que leram e não
gostaram, e para os que não tiveram a oportunidade de ler, transcrevo abaixo a
matéria que motivou meu pedido de demissão:
Governo Wagner eleva em 162% gastos com publicidade
Entre 2007, primeiro ano da administração petista, e 2011, o
governo Jaques Wagner elevou em 162,5% os gastos com propaganda, promoção e
divulgação das ações do Estado. Nesse período, as despesas com publicidade
saltaram de R$ 46 milhões para R$ 122 milhões. Os dados estão no relatório de
contas de 2011 do governo do estado elaborado pela conselheira do Tribunal de
Contas do Estado da Bahia (TCE), Ridalva Figueiredo.
Em comparação com 2010, quando foram gastos R$ 109 milhões,
houve um aumento de 12%. A Secretaria de Comunicação Social e a Casa Civil
foram as instâncias do governo estadual que registraram maiores despesas na
área, com R$ 29,2 milhões e R$ 13,9 milhões, respectivamente.
Entre as estatais, os gastos com publicidade foram liderados
pela Empresa Baiana de Turismo (Bahiatursa), com R$ 11,4 milhões, seguida pela
Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), com R$ 7,3 milhões, e a Empresa
Baiana de Alimentos (Ebal), com R$ 3,3 milhões.
Seca
Se o orçamento para a divulgação dos projetos do governo não
para de aumentar, os recursos destinados a ações de combate à seca, problema
que fez mais da metade dos municípios baianos declarar situação de emergência
neste ano, foram considerados insuficientes pelo conselheiro Pedro Lino, que
votou pela desaprovação das contas do governo durante julgamento realizado na
semana passada.
“Através de pesquisa realizada por minha assessoria nos
sistemas corporativos do Estado, verificou-se que foram aplicados recursos no
montante de R$ 37.599.143,88 através da execução de apenas dois projetos e duas
atividades visando a assistência às famílias e municípios e implantação de
soluções hídricas. Entretanto, nenhuma destas ações foi estabelecida como meta
prioritária”, critica o conselheiro no parecer sobre as contas do poder
executivo, destacando que a quantia empregada para reduzir os efeitos da seca
foi mais de três vezes menor do que os recursos destinados a promover as ações
do governo.
* Reportagem de Bonfim Brown, do jornaldamidia.com.br