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sexta-feira, 19 de agosto de 2016

jornal comentado 259
19.08.2016 - sexta-feira - 8h56min


HAGAMENON BRITO

Para ser sincero, sou quase um alemão

Deus está nos detalhes, homeboy. Como o arquiteto Frank Lloyd Wright ao projetar Fallingwater, penso cada vez mais nisso, quase sem querer. Nas coisas (quase) perfeitas, na simplicidade delas (mesmo quando essa qualidade é conseguida através da sofisticação), para amenizar o meu desconforto diante da deselegância nacional atual.

Nunca me senti completamente à vontade na condição de cidadão brasileiro. Talvez, ninguém em sã consciência e capacidade intelectual sinta-se também. A sensação de projeto que nunca alcança a arte final, com idas e vindas de psicose maníaco-depressiva, é algo recorrente na história do país. E enfadonho para quem está nessa longa estrada.

Você cresce ouvindo o seu pai dizer que as coisas vão mudar. No meu caso, desde que Roberto é Rei é assim, essa constante estupidez. Você cresce, deixa de ser filho, torna-se pai e as coisas nunca avançam na velocidade necessária para que o Brasil pegue o X-15 da história mundial. Estamos em descompasso sempre várias estações.

Tudo é lento na nossa brava engrenagem, com seus conluios eternos, abraços frouxos, beijos falsos, sorrisos corruptos e vaidosos omissos em todos os três poderes. E assim, geração após geração, somos roubados no que temos de mais precioso: os sonhos, os ideais, esses detalhes onde Deus constrói a sua casa e descansa no sétimo dia.  

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É como CatDog: dois seres distintos dividindo o mesmo corpo. Metade sente vergonha de ser brasileiro. A outra, acha que nem tudo está perdido. Uma parte ama a beleza natural, o calor humano e o convívio racial sem rancor. A outra despreza essa triste exuberância tropical, a violência gritante e a desigualdade social.

Sim, é como o impagável CatDog. O lado Cat recusa até o Carnaval: essa horda pseudodemocrática e suada que dança ao som de música medíocre, se droga e faz sexo achando que o mundo vai acabar. O lado Dog até que acha natural: um momento de alegria e liberação geral em meio às tensões nossas de cada dia.
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Antes, eu me irritava. Me sentia angustiado a ponto de enlouquecer, mas com um leve recurso ao melodrama para uma plateia potencial e com tendência à solidão intelectual entre os amigos. Todos achavam que eu devia ser mais relaxado em relação ao fato de a cegonha ter me deixado em Madureira, como diria o mestre Jorge Ben.

Agora, eu chego a sorrir. Não precisei ser internado ou medicado com psicotrópicos por causa do meu desconforto existencial. De alguma maneira, guardei apenas para mim essa sensação de patética nacionalidade. E passei a dar mais importância às pessoas que me são íntimas e queridas, aos meus. Para ser sincero, hoje sou quase um alemão.
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Quero o rap de Drake, a masculinidade de Brad, as linhas de Niemeyer, o sorriso de Julia Roberts, a harmonia do futebol alemão na Copa 2014, os roteiros de Woody Allen, as marinhas de Pancetti, os manuscritos de Christopher Isherwood, as melodias de Paul, os olhos de Sean Penn, o samba de Paulinho da Viola...
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Quero ser Deus. Bem, eu chego lá.

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* Hagamenon Brito é editor de cultura e crítico musical do Correio

hagamenon.brito@redebahia.com.br
16/08/2016 13:27:00

- publicado por Tony Pacheco com autorização de Hagamenon Brito

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