jornal comentado 259
19.08.2016 - sexta-feira - 8h56min
HAGAMENON BRITO
Para ser sincero, sou quase um alemão
Deus está nos detalhes, homeboy. Como o arquiteto Frank
Lloyd Wright ao projetar Fallingwater, penso cada vez mais nisso, quase sem
querer. Nas coisas (quase) perfeitas, na simplicidade delas (mesmo quando essa
qualidade é conseguida através da sofisticação), para amenizar o meu
desconforto diante da deselegância nacional atual.
Nunca me senti completamente à vontade na condição de
cidadão brasileiro. Talvez, ninguém em sã consciência e capacidade intelectual
sinta-se também. A sensação de projeto que nunca alcança a arte final, com idas
e vindas de psicose maníaco-depressiva, é algo recorrente na história do país.
E enfadonho para quem está nessa longa estrada.
Você cresce ouvindo o seu pai dizer que as coisas vão mudar.
No meu caso, desde que Roberto é Rei é assim, essa constante estupidez. Você
cresce, deixa de ser filho, torna-se pai e as coisas nunca avançam na
velocidade necessária para que o Brasil pegue o X-15 da história mundial.
Estamos em descompasso sempre várias estações.
Tudo é lento na nossa brava engrenagem, com seus conluios
eternos, abraços frouxos, beijos falsos, sorrisos corruptos e vaidosos omissos
em todos os três poderes. E assim, geração após geração, somos roubados no que
temos de mais precioso: os sonhos, os ideais, esses detalhes onde Deus constrói
a sua casa e descansa no sétimo dia.
***
É como CatDog: dois seres distintos dividindo o mesmo corpo.
Metade sente vergonha de ser brasileiro. A outra, acha que nem tudo está
perdido. Uma parte ama a beleza natural, o calor humano e o convívio racial sem
rancor. A outra despreza essa triste exuberância tropical, a violência gritante
e a desigualdade social.
Sim, é como o impagável CatDog. O lado Cat recusa até o
Carnaval: essa horda pseudodemocrática e suada que dança ao som de música
medíocre, se droga e faz sexo achando que o mundo vai acabar. O lado Dog até
que acha natural: um momento de alegria e liberação geral em meio às tensões
nossas de cada dia.
***
Antes, eu me irritava. Me sentia angustiado a ponto de
enlouquecer, mas com um leve recurso ao melodrama para uma plateia potencial e
com tendência à solidão intelectual entre os amigos. Todos achavam que eu devia
ser mais relaxado em relação ao fato de a cegonha ter me deixado em Madureira,
como diria o mestre Jorge Ben.
Agora, eu chego a sorrir. Não precisei ser internado ou
medicado com psicotrópicos por causa do meu desconforto existencial. De alguma
maneira, guardei apenas para mim essa sensação de patética nacionalidade. E
passei a dar mais importância às pessoas que me são íntimas e queridas, aos
meus. Para ser sincero, hoje sou quase um alemão.
***
Quero o rap de Drake, a masculinidade de Brad, as linhas de
Niemeyer, o sorriso de Julia Roberts, a harmonia do futebol alemão na Copa
2014, os roteiros de Woody Allen, as marinhas de Pancetti, os manuscritos de
Christopher Isherwood, as melodias de Paul, os olhos de Sean Penn, o samba de
Paulinho da Viola...
***
Quero ser Deus. Bem, eu chego lá.
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* Hagamenon Brito é editor de cultura e crítico musical do
Correio
hagamenon.brito@redebahia.com.br
16/08/2016 13:27:00
- publicado por Tony Pacheco com autorização de Hagamenon Brito
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