ALEX FERRAZ
Mudando para ficar tudo
igual
Nunca me canso de citar
o genial escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957). Entre as
suas obras, está o romance “Il gattopardo” (“O Leopardo”, na tradução literal
para o título no Brasil), sobre a decadência da aristocracia siciliana. A certa
altura, o personagem principal, um príncipe, diz a um assessor: “É preciso
mudar, para que tudo fique como está.”
Eis o retrato do que
parece desenhar-se para o cada vez mais provável futuro governo Temer. O ainda
vice-presidente vem montando sua equipe EXATAMENTE nos mesmos moldes que são
usados há décadas: a distribuição de cargos para partidos aliados e o
alinhamento a algumas das forças mais retrógadas desta nação. O noticiário a
respeito da composição do “novo” governo, raramente crítico, chega a ser
patético quando repete as velhas sentenças do tipo “ministério tal ficará com o
partido tal”, e nada, nem uma palavrinha sequer, sobre competências técnicas.
Temer refaz o que se faz na Presidência da República desde tempos imemoriais,
método também usado, claro, pelos governos do PT. Quem não se lembra de Lula e
Haddad, este ainda candidato a prefeito de São Paulo, deixando-se fotografar
entre risos e abraços com Paulo Maluf, em busca de apoio? Quem por acaso já se
esqueceu das alianças com Sarney, Renan, Collor et caterva, por parte do PT?
Mas Temer foi mais
adiante. Deixou-se abençoar por um pastor radical e alardeou, com fotos, sua
“amizade” com um dos maiores representantes do que há de mais retrógado, reacionário,
preconceituoso no Parlamento brasileiro, o deputado Marco Feliciano, com quem o
futuro presidente orou “pela paz na política”, em vídeo fartamente distribuído.
Aqui, uma pequena
digressão da linha geral deste artigo, para refrescar a memória dos que não se
recordam mais dos “pensamentos” do senhor Feliciano. Ele culpou os próprios
franceses pelos atentados terroristas contra a França, dizendo que aquele país
é um dos mais liberais do mundo, de ser um dos primeiros a lutar pela
legalização do aborto, por defender a liberdade sexual e principalmente pelo
fato de os franceses não terem muitos filhos.
Sobrou até para os
animais. Segundo Feliciano, se você possui um gato ou um cachorro de estimação
em sua casa e não filhos, você está atraindo a “islamização” e o terrorismo
para o seu país.
Para encerrar esse
“infeliciano” capítulo, algumas assertivas do mestre da baboseira e da reação:
“Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé”; “a podridão dos
sentimentos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”; “a AIDS é o
câncer gay.” Sobre os direitos da mulher ele também é contra: “Quando você
estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar,
a sua parcela como mãe começa a ficar anulada”. Só faltou mandar apedrejar
mulher adúltera, como está na Bíblia.
Ora, ora, Sr. Temer, se
é com gente deste tipo que o senhor pretende instaurar a “paz na política” e
colocar o Brasil em novos rumos, estamos lascados!
Mas é o que se tem
visto. Mais e mais do mesmo. E fica no ar a pergunta: o quê, afinal, está
mudando? Não tenho dúvidas em afirmar: nada. Está certo que a saída de Dilma, e
mesmo do PT, do governo pode dar um “refresco” na imagem do Brasil lá fora, mas
cá dentro sabemos que o próprio Temer é alvo de investigações por corrupção,
que muitos dos que o apóiam também estão na mira da Justiça e, pasmem, tivemos
que ouvir o futuro presidente afirmar que não titubearia em chamar para seu
governo pessoas sob investigação, “porque ainda se trata de investigação”.
Estamos assim: quem está
saindo, Dilma e companhia, tem sobre suas cabeças acusações e processos de
fazer Al Capone arrepiar os cabelos. Quem está entrando, ou voltando (como é o
caso de alguns), a mesma coisa dos que estão saindo.
O CASO
CUNHA
Enquanto escrevo estas
linhas, vejo na TV noticiário sobre o afastamento de Eduardo Cunha da
presidência da Câmara. Já vai tarde. Como autêntico gângster, este senhor
manipulou regimentos, ameaçou colegas e usou correligionários do Parlamento
para tentar manter-se no cargo, mesmo sendo acusado, com provas, de tremendas
falcatruas, envolvendo inclusive propinas que chegam à casa das dezenas de
milhões de reais.
E mais uma vez lá vem o
Brasil descendo a ladeira: o sucessor de Cunha, Waldir Maranhão (PP-MA), foi
acusado pelo doleiro Alberto Youssef, de receber dinheiro de corrupção, na
forma de grossas propinas... Dizer mais o quê?
O CASO
AÉCIO
Anteontem, fui almoçar
em um restaurante próximo aqui da sede da “Tribuna da Bahia”, e o proprietário,
logo que me viu entrar, desabafou: “É, Alex, estamos mesmo perdidos, perdidos.”
Não, não era uma simples frase de efeito para puxar um daqueles papos em voga
sobre impeachment, roubalheira na política e outros temas que podem não fazer
bem à digestão, mas que certamente alimentam a relação entre dono de
restaurante e cliente. Era um lamento assustado, diante das notícias recentes
de investigações sobre Aécio Neves e outros políticos de peso fora do círculo
petista.
O proprietário do
estabelecimento, enquanto me servia uma cerveja bem gelada, meneava a cabeça e
dizia: “E agora? Quem vai consertar este
País?” Embora desejasse alimentar um
pouco o seu desabafo, não resisti e comentei: “Ora, meu amigo, o País parece
estar sendo consertado. E para que seja colocado nos trilhos de um mínimo de
honradez e competência de governos sérios, não há outra saída senão DETONAR
todos os corruptos. Não se desiluda nem pense que não vai sobrar ninguém. Vai,
sim. Temos mais de 200 milhões de habitantes e não sei se será impossível
encontrar entre eles pelo menos meia dúzia de pessoas honestas e com boas
intenções.” Ou será? Credo!
Alex Ferraz é repórter e colunista diário da “Tribuna
da Bahia” e solicitou a inclusão deste post no blog Os Inimigos do Rei.