Mentiras
e descaso (ainda sobre o mar de lama)
Alex Ferraz
As campanhas de Dilma, Aécio e Marina receberam gordas contribuições da Vale do Rio Doce...
Insisto em tratar aqui do tremendo escândalo em que se
transformou o rompimento de uma das centenas de barragens de mineração
existentes no Brasil, neste caso em Minas Gerais , estado que tem o maior número delas.
Faço isso porque, sem falsa modéstia – e embora nem de longe seja especialista
no assunto -, fui seguramente um dos primeiros na imprensa nacional a chamar a
atenção, logo no dia seguinte ao desastre, e enquanto toda a mídia pisava em
ovos para tratar do tema, para o fato de que estávamos (e ainda estaremos,
talvez até por mais de um século) vivendo o pior desastre ecológico no Brasil.
Aliás, como classificou um especialista em entrevista, ontem, à BandNews TV,
este é um dos cinco maiores desastres ecológicos do mundo, colocando-se ao lado
– e de certa forma até com maior gravidade, devido à extensão da área atingida
– de Chernobyl (1986, na antiga União Soviética) e do ocorrido na cidade
italiana de Seveso, onde, em 10 de julho de 1976, tanques de armazenagem
na indústria química ICMESA romperam, liberando vários quilogramas da dioxina
TCDD na atmosfera e o produto espalhou-se por grande área na planície entre Milão e o Lago de Como. Devido à contaminação, três
mil animais morreram e outros 70 mil tiveram que ser sacrificados para evitar a
entrada da dioxina na cadeia alimentar. Acredita-se que não tenha havido mortes
de seres humanos diretamente vinculadas ao acidente, mas 193 pessoas nas áreas
afetadas sofreram de diversos sintomas.
Pois bem. Voltando ao Brasil, o desastre de Minas, cuja
lama tóxica deve chegar neste fim de semana ao Oceano Atlântico, na costa do
Espírito Santo, podendo destruir corais, matar peixes, destruir a flora e mesmo afetar as baleias no
santuário de Abrolhos, já na Bahia, sofreu cínicas e revoltantes tentativas de
minimização, tanto da parte de autoridades do governo estadual mineiro e do federal, como,
claro, dos dirigentes da Vale, em resumo, a responsável pela empresa Samarco,
diretamente ligada à barragem.
São mentiras que se diria “comuns” em governos e empresas de
quase todo o mundo (com exceção rara e honrosa, claro, de algumas sociedades com
alto nível de civilidade), mas que, na maioria das nações um pouco mais sérias,
podem derrubar governos e fechar empresas.
Aqui, jamais. Começa que a Vale, responsável geral pela
mineração, financiou campanhas eleitorais de muita gente, inclusive da própria
presidente da República, Dilma Rousseff, e do governador de Minas, Fernando
Pimentel. Aliás, este chegou à atitude patética de antecipar-se às declarações
da própria empresa, logo após o desastre, garantindo que a lama não era tóxica e
minimizando de forma criminosa os efeitos, hoje vistos por todos, catastróficos
do evento.
Entre
outros que receberam fortunas da Vale para suas campanhas estão, vejam só, o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o senador Aécio Neves e a ex-senadora
Marina Silva. De acordo com dados do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
o chamado “Clube dos Seis” financiado pela Vale engloba os seguintes partidos e
quantias: PMDB, R$ 23.550.000;
PT, R$ 8.250.000; PSDB, R$ 6.960.000; PSB, R$ 3.500.000; PP, R$ 1.500.000 e,
ora, ora, o PCdoB, com R$ 1.500.000.
Não
é à toa que o novo Código de Mineração, em processo de análise e votação no
Congresso, estabelece mil vantagens e prioridades para as mineradoras (de forma
escandalosa, pode crer) e determina, de forma explícita, que elas têm prioridade
sobre populações e áreas de outro tipo de atividade. Todos, no Congresso,
trabalhando a soldo da Vale e, claro, desdenhando da vida e da economia dos
milhões de eleitores comuns que os colocaram lá.
Bem, fala-se que os efeitos dramáticos do desastre levarão,
no mínimo, DÉCADAS para serem sanados (pela própria natureza), e, em alguns
casos, a recuperação total, pasmem, pode durar até 150 anos, conforme
entrevistas de especialistas que, agora, duas semanas do ocorrido, foram
procurados com seriedade por parte da mídia.
A lama é ALTAMENTE tóxica e pode levar à contaminação por cromo, manganês e
mercúrio, entre outros metais tóxicos, alguns deles causando câncer.
Vejamos
algumas informações científicas:
MERCÚRIO
A
contaminação por mercúrio provoca:
Náuseas, vômitos, diarreia, aumento da pressão arterial e,
a longo prazo, problemas nos rins ou cérebro, assim como, alterações na visão,
audição e problemas de memória.
As fontes de contaminação podem ser águas contaminadas com mercúrio, contato direto com o interior das lâmpadas e pilhas e alguns tratamentos dentários.
CROMO
A inalação ou ingestão de cromo pode provocar:
Irritação no nariz, dificuldade para respirar, asma e tosse
constante. Já a longo prazo, podem surgir lesões permanentes no fígado, rins,
sistema circulatório e pele.
MANGANÊS
De acordo com artigo científico publicado no
site Trabalhoseguro.com.br, “a semelhança entre a
intoxicação pelo manganês e o parkinsonismo pressupõe mecanismos de ação também
semelhantes, como, por exemplo, as alterações no metabolismo das catecolaminas
do cérebro, especialmente a Dopamina. Outra alteração importante é a
degeneração e redução da melanina da substância negra, estrutura que, junto com
o corpo estriado e o globo pálido, participam do sistema extrapiramidal. Em resumo: um desastre para o sistema nervoso.
E MAIS
A
contaminação com metais pesados pode levar meses ou anos para se manifestar,
mas é importante que o tratamento inicie o mais cedo possível para evitar
complicações de saúde.
Para
encerrar: alguém aí acredita que a Vale e sua empresa subsidiária vão mesmo
pagar os mais de R$ 1 bilhão que somam as multas já aplicadas e aquelas
ameaçadas? Particularmente, duvido solenemente. Sabemos como a Justiça
brasileira é pródiga em liminares favoráveis aos réus e até mesmo atrasos
propositais em processos que envolvem governos ou grandes empresas. Apela-se
aqui, apela-se ali, e, no frigir dos ovos, se houver, a multa e/ou a indenização
serão de valores pífios.
Quantos aos políticos e governantes, como já ficou explícito
aqui, são, na sua maioria, servos da Vale e não gente preocupada com a
sociedade. Ah, sim, um lembrete: as queimadas, da Bahia a Goiás, e inclusive na
Amazônia, são criminosas, mas seus autores, podem crer, terão carta branca para
destruir a natureza. E haja saco!
DA LAMA AO CAOS
O Departamento Nacional de Produção Mineral, DNPM, entre
cujas funções estão a autorização da instalação de mineradoras e a fiscalização
das mais de 700 barragens de mineração existentes no Brasil, está literalmente
falido. Tem apenas cinco técnicos de alta especialidade para cuidar de tudo
isso. E o dirigente pediu demissão uma semana após o desastre de Minas Gerais.
Não há verbas para nada, só cargos para agradar a políticos. É um retrato deste País.
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